O gigante acordou grisalho

Rodrigo dos Reis, com mais de 20 anos de experiência em compreensão do comportamento humano, compartilha sua visão sobre a mudança no perfil etário dos trabalhadores brasileiros.

Coluna escrita por Rodrigo dos Reis, colunista especializado em cultura e tendências de consumo, fundador do fundador da Zeitgeist. Palestrante, mais de 20 anos de entendimento humano e contextual virando insights e estratégias centradas nas pessoas para marcas líderes. Autor do Rastro das Mudanças

 

Precisamos mudar urgentemente nossa forma de pensar e agir sobre uma questão que afeta a nós todos e está avançando em uma velocidade impressionante, mudando a paisagem do Brasil a olhos vistos. Estou falando das mudanças climáticas? Não. Ainda que pudesse, o assunto desta coluna é outro.

A velocidade do envelhecimento da população brasileira surpreendeu até mesmo os pesquisadores do IBGE envolvidos no último Censo. Por mais que a proporção maior de pessoas de mais de 65 anos esteja crescendo rapidamente e isso demande muitos ajustes, tanto no mundo privado quanto em políticas públicas, a grande notícia que não está sendo noticiada o bastante é que em poucos anos, o Brasil vai ser um país predominantemente de meia idade.

PIRAMIDE ETARIA DO BRASIL
(Imagem: Reprodução/IBGE)

Em 2040, a força de trabalho do país será composta por 60% de pessoas de 45 anos ou mais.

As mulheres de mais de 40 são o único recorte etário em que o número de filhos está aumentando. São dois sinais que dão o tom da urgência em mudar como enxergamos esta fase da vida.

Preteridos e desvalorizados no mercado de trabalho, com consequências que afetam toda a sociedade

Apesar dessa realidade que se aproxima inevitável e rapidamente, o mercado de trabalho não reage. A chegada dos 40, ou até menos em alguns setores, acende o alerta do risco de substituição e de dificuldades muito maiores em se recolocar, ora por preconceito puro, ora por menos disposição das empresas em pagar por profissionais mais experientes.

O impacto econômico disso já é grave hoje – os brasileiros de 41 a 60 anos são a maior fatia quando falamos de restrições no nome por endividamento. Eles também são muitas vezes responsáveis financeiramente tanto pelos filhos, que também não estão em uma situação fácil, já que um quinto dos jovens brasileiros é “nem nem” e cada vez mais pelos pais de idade mais avançada. E quando forem a maioria, como será?

Talvez essa exclusão por idade fizesse algum sentido se estivéssemos falando de trabalhos de muita intensidade física ou de alguns esportes olímpicos. Mas em trabalhos intelectuais ou criativos onde tantos chegam no auge mais tarde na vida?

Representação na publicidade – inexistente ou baseada em clichês datados ou importados

A publicidade, com raras exceções, é um lugar inóspito para a meia idade, por uma suposta busca por estar “no pulso da cultura”, fundamentada em premissas de uma idiotice atroz: de que os mais maduros não fazem parte da cultura, de que não tem ou não participam de uma cultura própria, de que querem necessariamente participar da cultura como os mais jovens ou de que consideram o que os mais jovens consomem aspiracional de alguma forma ou de que cultura e trending topics são a mesma coisa, nenhuma delas fundamentada por qualquer tipo de evidência. O ppt realmente aceita tudo.

Uma ideia de crise da meia idade importada do mundo desenvolvido, em particular dos EUA, ainda serve de pano de fundo para o entendimento desta fase da vida, com pouquíssima ou nenhuma conexão com as possibilidades financeiras e o que está acontecendo de fato na vida das pessoas aqui coroa o descolamento da realidade.

Os clichês na retratação dos adultos de meia idade, quando acontece, são muito frequentes: démodés, datados, ficando para trás nas tecnologias, ridículos, caretas, desinteressantes, restritos ao papel de pai ou mãe, raramente protagonistas e frequentemente assexuados. Coisas normais e biológicas como a calvície e a perimenopausa são frequentemente ridicularizadas ou estigmatizadas, mais do que acolhidas. Será que uma forma mais honesta e verdadeira de representar essas pessoas não seria mostrá-las como mais preocupados com as responsabilidades familiares e profissionais do que com as inseguranças de pertencimento da juventude, mais pragmáticos nas suas relações com as novidades, mais seguros de si no estilo e na forma de se apresentar ao mundo e por isso, menos interessados em modismos efêmeros? Como viemos parar aqui?

A raiz do problema: o lugar da meia idade na cultura 

Em um país que foi predominantemente jovem durante boa parte de sua história, a narrativa dominante sobre a meia idade, até por motivos numéricos, é marcada por uma perspectiva vinda do pior do adolescente ou jovem estereotípico: arrogante, condescendente, cheia de julgamentos – quase tudo associado à juventude e quase nada associado à amadurecer é bom.

Talvez por isso a gente tenha aceitado ideias toscas como “todos queremos ser jovens” como se fossem um insight genial. Na verdade o que queremos é não sermos párias sociais e estigmatizados depois de uma certa idade ou termos nossos comportamentos julgados e demarcados por regras tácitas arbitrárias e castradoras sobre o que é aceitável ou não se fazer em uma determinada idade, e também manter nossa vitalidade e saúde pelo máximo de tempo possível. No meio de inúmeros desafios profissionais, pessoais e financeiros, já lidando com o peso de algumas frustrações que a vida impõe (ao contrário dos jovens que habitam o mundo do potencial infinito), ainda ter que lidar com o olhar condescendente do outro é pedir demais.

O curioso é que as associações semânticas com a maturidade são tão negativas que até os mais jovens são afetados – haja visto o início cada vez mais precoce de cirurgias e tratamentos estéticos rejuvenescedores e preventivos.

Para piorar, parte do discurso contemporâneo vilaniza os mais maduros como concentradores do poder e das grandes decisões, e embora isso seja uma verdade bem relativa (sim, grandes números de líderes políticos e empresariais estão na meia idade) – a maioria das pessoas nesta fase da vida no Brasil não concentra esse tipo de poder e está só fazendo malabarismo com muitas responsabilidades e tentando dar o melhor possível para suas famílias, em suas múltiplas definições e arranjos.

Mas existem outros caminhos possíveis. O contraste com outras culturas com maiores populações mais velhas, como na Ásia e partes da Itália, é gritante – a experiência e papel social dos mais velhos são motivo de reverência, não de ridicularização e esse olhar diferente impacta positivamente a qualidade da vida de todos.

Por um certo ângulo, estar na meia idade é mais “revolucionário” ou contracultural do que a própria juventude, com tantos códigos de pertencimento e tanta insegurança sobre seu lugar no mundo. Ligar menos para a opinião dos outros como sinal de amadurecimento é algo muito comum no discurso dos mais maduros e poucas coisas podem ser mais autênticas e genuinamente rebeldes do que isso.

Mas o que a gente pode fazer sobre isso AGORA?

É hora de refletir mais sobre as piadinhas e os clichês que nós mesmos replicamos. É hora de parar de tentar explicar a complexidade e a riqueza da experiência humana através de ideias reducionistas que colocam bilhões de indivíduos no mesmo balaio. É hora de abandonar o olhar para a vida madura pela perspectiva narcisista e autorreferente do jovem estereotípico. É hora de entender com dados e estudos e não com clichês e teorias sem fundamento as dores e as delícias de uma fase da vida pela qual todos passaremos, em circunstâncias únicas por todas as grandes transformações que estamos vivendo.

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  • Rodrigo dos Reis

    Palestrante. 20+ anos de entendimento humano e contextual virando insights e estratégias centradas nas pessoas para marcas líderes.

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